quinta-feira, 18 de abril de 2019

Análise obra Adélia Prado

Erotismo e misticismo na poesia de Adélia Prado

Ênio José da Costa Brito
O consenso atual em torno da ex-professora primária e de filosofia para o segundo grau, mãe e avó, nem de longe relembra os obstáculos enfrentados por Adélia Prado para entrar no mundo da literatura. É verdade que teve padrinhos de peso, como Carlos Drummond de Andrade e Affonso Romano de Sant’Anna, que ressaltaram a qualidade de seus versos.[1]
Estudos posteriores só fizeram confirmar sua importância, sobretudo os trabalhos acadêmicos e teses que se multiplicam a cada ano no Brasil. Nos últimos anos, sua obra começa a ser traduzida na América Latina (Argentina, Peru) e nos Estados Unidos. Na Alemanha e na França seus poemas se fazem presentes em antologias poéticas.
A dissertação de Neusa Cursino dos Santos Steiner, intitulada Um poder infernal: a poesia de Adélia Prado, defendida no Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo[2], vem se juntar a tantos outros trabalhos sobre a poeta mineira.[3]
Adélia Prado tornou-se uma autêntica hermeneuta do cotidiano, convidando seus inúmeros leitores a realizarem circunvoluções ao redor de seus temas preferidos, como a feminilidade, a dor de existir, os segredos do espírito, a velhice e a submissão a Deus.

Aproximações

Um poder infernal: a poesia de Adélia Prado se constitui num trabalho de "longo" e "largo" fôlego. O "longo fôlego" garantiu à autora o contato com a obra da poeta de Divinópolis e o "largo fôlego" possibilitou não só a leitura criativa, atual e instigante da obra adeliana, como a visualização do locus vital no qual sua obra vem sendo gestada.
Steiner revela-se uma pesquisadora madura, que concilia sensibilidade, perspicácia e rigor analítico. O diálogo sutil que trava com a obra da poeta mineira e com seus intérpretes, pontuando, ampliando ou tecendo contrapontos, confirma a observação feita. A título de exemplo basta sinalizar o diálogo com o critico Felipe Fortuna, que detecta no livro Terra de Santa Cruz[4] sintomas de uma crise no ethos poético adeliano. Steiner pontua: “o que ocorre a meu ver é o anúncio da mudança que está preste a acontecer, mostrando os processos da vida em seus ciclos de alegrias, dores, reconhecimento e superação”[5].
A potencialidade analítica nos é desvelada pelas duas chaves epistemológicas, norteadoras, a meu ver, da pesquisa: a vida como mistério insolúvel e o binômio religiosidade-erotismo. Algumas passagens podem ilustrar a constatação feita. “A religiosidade e sexualidade que tanto chamam atenção como parte de seu estilo, estão inscritos nesta realidade que é viver, na qual ela busca as raízes carnais e as asas do espírito. O que Deus uniu o homem não seara, ela diria”[6].
O consenso atual em torno da ex-professora primária e de filosofia para o segundo grau, mãe e avó, nem de longe relembra os obstáculos enfrentados por Adélia Prado para entrar no mundo da literatura. É verdade que teve padrinhos de peso, como Carlos Drummond de Andrade e Affonso Romano de Sant’Anna, que ressaltaram a qualidade de seus versos.[7]
Como que para reforçar a afirmação feita um pouco adiante, Neusa Steiner volta a lembrar: “Existe uma vida inteira que em explosões, em espasmos, em revelações, numa seqüência angustiada, mas esperançosa de reencontro consigo mesma, é percebida nas páginas de seus livros”[8].
Steiner percebeu que a religiosidade, motivo de estranhamento para tantos críticos, era a linha que costurava, colava e recuperava os grandes temas dessa poeta que gosta de resvalar nos limites e abismos imagéticos e é afeita aos mistérios das almas. Ao optar por esta chave, deu ao religioso e ao simbólico o mesmo peso explicativo que se dá ao psicológico, ao econômico e ao social, sem negar o estatuto dos mesmos.
Familiarizada com a leitura dos poemas de Adélia Prado, alerta: “é preciso retomar as imagens dos poemas, as reflexões nas entrelinhas das construções de frases e palavras determinadas”.[9] Ainda avisa para não se eliminar a tensão dialética presente no universo poético da poeta mineira. Explicando como o cotidiano deve ser compreendido, afirma: “este ponto [nova compreensão do cotidiano] não recusa a opressão e a limitação imposta ao potencial criativo e intelectual das mulheres no ambiente doméstico, mas refuta o olhar que reconhece tão somente o vazio, a passividade e inércia”[10].
Steiner retoma, em sua hipótese, esta tensão: “é possível encontrar na poesia de Adélia Prado elementos que configuram transgressão e resistência às concepções negativas praticadas pela Igreja Católica em relação às mulheres. A mesma religião que oprime irá oferecer significados e símbolos, que viabilizam uma poesia de afirmação pessoal e, através dela, a expressão da poeta no espaço público”[11].
O resultado é uma interpretação criativa da obra adeliana, pois liga erotismo e religião para curar feridas femininas[12] ou o “feminino ferido”. “Na fusão entre erotismo e religiosidade é que tudo se renova de fato”.[13] Esta cura, diz Steiner, permite “a recuperação do imaginário católico com relação às mulheres no ocidente cristão”[14] e a recomposição dos princípios feminino e masculino, “opostos que se tocam e se espelham”[15].
Ao percorrer o texto, percebe-se que a dissertação é muito bem estruturada, tecida com coesão e coerência, além de trazer em seu bojo uma sadia preocupação didática. A qualidade e a importância dessa dissertação vão aparecendo aos poucos durante a leitura.

Um olhar sobre os capítulos

O primeiro capítulo, intitulado Os caminhos de Adélia[16], se assemelha ao primeiro sonho da análise psicológica que esconde e revela todo o resto, conforme dizem os psicólogos. Nele, os três eixos da pesquisa são tocados: a religião, o feminino e o cotidiano. Nossa primeira aproximação centra-se no cotidiano, uma vez que os outros eixos terão espaços no comentário dos outros capítulos.
A temática do cotidiano, além de atual, é desafiadora não só para cientistas da religião, como para outros estudiosos, uma vez que implica num diálogo refinado com as ciências sociais e, em particular, com a sociologia. A impressão que fica da leitura do capítulo, é bom que se diga - impressão desfeita com os dados apresentados no quarto capítulo-,[17] é a de uma redução da vida cotidiana a “usos e costumes”, ao rotineiro, ao repetitivo, a um vivido repetido ou, epistemologicamente falando, a uma categoria, um conceito.
Corre-se o risco desse conceito se transformar em mero rótulo, perdendo sua força analítica[18]. Seria conveniente antecipar algumas das informações presentes só no quarto capítulo, informações colhidas no diálogo com a historiadora Maria Izilda Matos. Para Matos, o cotidiano não deve ser visto apenas como hábito e rotina, mas como um universo de tensões e movimento. Desta maneira é, também, um espaço de resistência ao processo de dominação.[19]
Outro ponto chama a atenção do leitor: ao refletir sobre a religião da poeta, Steiner acolheu uma afirmação de José Castello: “o religioso é essencial, o católico acidental”[20]. No atacado a afirmação está correta, mas no varejo desperta dúvidas. O católico na poesia de Adélia Prado está tão entranhado que uma afirmação categórica, como a de Castello, não deixa de ser problemática. A poeta não vê o católico como pura negatividade, vê sim suas patologias, bem como seus aspectos sadios. Ao realizar uma primeira aproximação dos eixos articuladores da poética de Adélia Prado, o primeiro capítulo abre uma fecunda interlocução com alguns de seus críticos.
O segundo capítulo, Adélia Prado, Feminino e a Igreja Católica [21], procura desvendar os mecanismos que permitiram a produção e a reprodução da exploração e dominação das mulheres na sociedade e na Igreja. Realiza uma breve arqueologia das matrizes teológicas que pautaram e ainda pautam muitas das relações entre a Igreja Católica e as mulheres no que diz respeito aos padrões comportamentais femininos e, em especial, ao desejo sexual.
Pela complexidade do tema, implicações e conhecimentos teológicos que a análise exige, a elaboração do capítulo certamente exigiu de Steiner um árduo trabalho de pesquisa. As observações que se seguem reúnem sugestões para um aperfeiçoamento, reformulações e pontuações necessárias para se ter, das questões discutidas e da apropriação subjetiva feita pela poeta, uma compreensão mais refinada. Apropriação que implica num deslocamento que reverte em seu favor interpretações clássicas da teologia utilizadas com freqüência pela Igreja Católica.
Primeiramente, não se pode apostar tanto na interpenetração entre sexualidade e cristianismo, como faz o capítulo. Não se está falando de interpenetração com catolicismo e nem com a Igreja Católica. Até Agostinho (354-450), “o Oriente cristão não tinha o conceito próprio de um pecado original afetando toda a humanidade, mas mantinha como inabalável a crença de que a humanidade está numa situação de separação de Deus, de ‘corrupção’ em relação à sua vocação e de necessidade radical de salvação. Fora da graça de Deus em Cristo, a humanidade caminharia para sua perdição”.[22] Agostinho chama essa situação de pecado, posição que receberá a confirmação dos concílios de Cartago em 418 e de Orange em 529.
Qualquer discussão sobre a criação tem de levar em conta os dois relatos de Gênesis, isto é, Gênesis 1,26-28 e 2,21-23. Em Gênesis 1,26-28, o texto declara a presença do elemento feminino em Deus; no versículo 27, lê-se : “à imagem de Deus os criou homem e mulher”. Neste relato, o elemento feminino é igual em poder e glória ao masculino. O texto de Gênesis 2,21-23, mais conhecido, relata a criação da mulher da costela de Adão. A interpretação deste texto ao longo da história foi marcada por um sexismo teológico.
A discussão sobre o pecado original feita no capítulo pede uma complementação para realçar a própria reflexão apresentada e ganhar mais densidade e peso. Faz-se necessário um diálogo com a teologia, especialmente com a teologia renovada, que, ao estabelecer contra-pontos à interpretação tradicional do pecado original, abre novas possibilidades para uma visão mais ampla desta questão teológica tão complexa e que tem sido objeto de inúmeras polêmicas.
Não se pode cristalizar tanto as imagens de Eva e Maria, a primeira como pecadora e a segunda como imagem da pureza. A figura de Maria se impõe a partir do século XII na Igreja, a de Eva é mais antiga. Durante muito tempo, a figura de Eva foi utilizada como a imagem simbólica da Igreja, portanto não poderia ser totalmente negativa[23].
No período medieval, apesar do monoteísmo ortodoxo, tem-se a divinização da figura de Maria - ela é vista como a quarta pessoa da Santíssima Trindade. São Bernardo e Santo Tomás eram contrários à proclamação do dogma da Imaculada Conceição por temerem que Maria fosse igualada às deusas-mães[24]. Uma outra informação desse período pode nos aproximar um pouco mais da mentalidade reinante no mundo cristão medieval. Se se acompanha o modelo de santidade apresentado ao povo cristão no período medieval, podemos constatar uma evolução. No início da Idade Média, o modelo era o bispo, mais tarde as abadessas e, no século XIII, as mulheres místicas[25].
Com estas pontuações não se quer negar a forte tendência misógina da Igreja, que ainda perdura, mas chamar atenção para o dinamismo presente na visão do feminino em um determinado período histórico, visto no capítulo de modo muito estático.
No capítulo terceiro, Um poder infernal e erotismo em Adélia Prado[26], os leitores são introduzidos no universo poético de Adélia. Um capítulo iniciático ao seu "eu lírico". Poder-se-ia dizer da poeta de Divinópolis o que outra Adélia afirma do poeta em geral; “poeta é aquele que fazendo estalar os limites do real, tenta fazer aflorar aí o princípio do prazer, tenta trazer ao plano da linguagem a imagem do desejo”[27].
Acompanhar a primorosa leitura feita por Steiner das obras da poeta mineira é perceber a transformação agônica pela qual Adélia Prado passa. Transformação que pode ser vista sob uma dupla ótica, uma mística e a outra psicanalítica. Esta, como um processo de integração, processo de cura, “a integração do feminino ferido na psique ocorre através da luz colocada na figura da mãe, luz no sentido de uma visão direta e focada, no sentido de desnudar e observar. O olhar sem disfarces permite a diferenciação entre os sujeitos, fortalece a identidade daquele que elabora o processo, e assim permite a integração”.[28] Um pouco antes, relembrara que, nos livros de Adélia, “existe uma vida inteira em explosões, em espasmos, em revelações, numa seqüência angustiada, mas esperançosa de reencontro consigo mesma...”[29]. O recordar na cura psicanalítica tem muita importância,“não tanto a mera busca da lembrança, mas o recordar no sentido etimológico: colocar de novo no coração. E é importante sublinhar que isso se faz pela palavra”[30].
A ótica mística se faz presente na busca de integração do humano e do divino, na “epifania do secular e do sagrado” e no desvelar de um “cristianismo que naturaliza o divino”[31]. Angélica Soares, com precisão mágica, toca na nervura desse processo de integração: “Essas marcas do discurso adeliano, integradora entre o humano e o divino e entre o homem e a mulher, apontam para uma nova relação com o corpo e com o prazer, superadora de estratégias de sujeição patriarcal e de limitações deformadas da moral sexual cristã”[32].
Digno de nota é o crescendo da presença da linguagem mística na obra de Adélia Prado, presente desde a estréia da autora, em 1976 com Bagagem, muito mais acentuada em O Pelicano e claríssima em A faca no peito (1988) e Oráculo de Maio (1999)[33]. Steiner relembra que, em A faca no peito, o tema central “é mesmo o amor por Jonathan/Jesus, derramado em versos sensuais, eróticos e devocionais, momentos em que a exaltação do corpo e a religiosidade atingem um êxtase”[34]. Evaldo Balbino sintetiza bem a matriz mística da poeta mineira - a poesia mística cristã: “Assim, seu discurso não só faz uma retomada de São Francisco de Assis e São João da Cruz, mas também dos textos místicos de Santa Teresa de Jesus, tratando-se, neste caso de uma tradição feminina”[35].
Sem sombra de dúvida, a poesia mística cristã é uma das matrizes, mas seria importante pensar, também, na dimensão popular da mística cristã. Na dissertação, um olhar para a cultura popular tendo presente sua natureza, suas características e funções, contribuiria para a compreensão desse húmus cultural tão marcante na poeta mineira. A cultura popular, com suas ambigüidades, deslocamentos, fragmentariedade e, principalmente, com seu catolicismo popular tradicional, traria luzes para algumas "dobras" da poesia de Adélia Prado.
Marilene Felinto, num breve e incisivo artigo no qual apresenta aos leitores da Folha de São Paulo o romance Manuscritos de Felipa e Oráculos de Maio, afirma: “também nesses dois lançamentos da autora está uma das chaves de sua literatura: a reverência a um Deus seu e ao próprio ato de escrever são uma só e única coisa. Os poemas de 'Oráculos de Maio' vão do 8 ao 80 na consulta a essa divindade-poesia”[36],
Na obra da poeta mineira, cultura popular e erudita estão em permanente interação. Assim, a incorporação do português oral do Brasil é recorrente nos seus escritos. Steiner, abordando os recursos de que a poeta se utiliza para romper a distância entre leitor e escrita, aponta o “fluxo dos sentimentos", o processo de aproveitamento dos elementos próprios da oralidade. Outro recurso o uso de regionalismos (trem, gastura, uai, refrigério), é também marca bem típica da poeta neste exercício de aproximações”[37]. Para Balbino, o regionalismo de Adélia Prado a aproxima de Guimarães Rosa. “O que de fato, no plano da linguagem, aproxima Prado e Rosa, é o uso de regionalismos pelos quais os autores imprimem marcas do espaço-sócio-geográfico em suas personagens”[38].
Não tenho conhecimento de estudos da obra adeliana que trabalhem a oralidade, mas eles certamente existem. Uma pesquisa nesse sentido exigiria uma análise lingüística dos textos (sintaxe e discurso) com sustentação teórica de especialistas da área e uma amostra básica de discurso oral recolhido por meio de uma pesquisa de campo. Com esse “corpus” em mãos seria possível uma rica e ampla pesquisa da oralidade[39].
No quarto capítulo, O cotidiano em Adélia Prado: uma religião de mulheres,[40] Steiner trabalha bem “as imagens do cotidiano nos poemas como recuperação do espaço privado para além da identidade que a Igreja ali ofereceu às mulheres”[41].
A figura de Maria se faz presente muito fortemente como virgem, entendida como una em si mesma, senhora de seu desejo e vontade. Virgem poderosa. “Maria é a mulher do cotidiano, para a qual a rotina perfeita é Deus, mas é também a Virgem una em si mesma, o arquétipo restaurado do poder feminino na psique”[42].
Steiner mostra bem as mudanças ocorridas na religiosidade da autora. “Esta mudança na religiosidade de Adélia, invocando Maria a ‘Mãe da Divina Graça' para vencer seus medos e aflições, para continuar lutando perante os enigmas da vida e continuar encontrando sentido e significado em viver é a característica principal dos poemas deste livro [Oráculos de maio] e de certa maneira, desta fase de sua vida”.[43]
Steiner ilustra bem essa idéia apresentando dois poemas curtos, intitulados Teologal e Maria. Em Teologal Adélia afirma:
Agora é definitivo:
uma rosa é mais que uma rosa.
Não há como deserdá-la
De seu destino arquetípico.
Poetas que vão nascer
passarão noites em claro
rendidos à forma prima:
a rosa é mística.
A afirmação retorna na sua fórmula mínima no poema denominado Maria,
Aí está a rosa,
defendida de lógica e batismo,
a inquebrantável,
a Virgem.[44]
Adélia nunca negou sua filiação ao catolicismo, filiação adulta, marcada por tensões e conflitos que não a assustam, pois aprendeu nos seus estudos filosóficos, em contato com o pensamento medieval, que a fé cristã não é uma aceitação tranqüila e repousante. A fé traz no seu bojo o princípio interrogante da razão que possibilita ver até que ponto é ela aceitável como “obsequium rationabile” prestado a Deus[45].
A religião em sua poesia é viva, como viva é sua fé, não é simples repetidora de dogmas, não é um porto seguro. “Seus versos são diálogos com as incertezas femininas mais profundas e arraigadas, uma conversa longe e interminável com a divindade, com a Igreja, com a existência encarnada da mulher numa fusão impensável: o corpo de Eva e a alma de Maria”.[46]
Um poder infernal capta com sutileza, nos versos da poeta mineira, não só a angústia das mulheres reprimidas pela cultura e pela religião, como sua capacidade de resistir. Nas palavras de Soares: “Reconhecendo no eu feminino um '... bicho do corpo' (“Sensorial", B., p.21), quer na poesia, quer na narrativa, Adélia Prado nos traz uma positivação do erotismo, através do mesmo caminho utilizado para a sua negação no mundo judaico-cristão: o caminho da religião, enfatizando o que as instituições cristãs sempre se empenharam em ocultar: a santidade da transgressão erótica.” Termina esta constatação com uma pertinente observação: “Seu discurso erótico se diferencia, sobretudo, na escrita de autoria feminina das últimas décadas, no Brasil, por resultar da reapropriação desestruturadora dos elementos religiosos através dos quais se veicula a repressão, para com eles próprios criar imagens de desrepressão e conscientização da mulher”[47].
Escrita com criatividade, a dissertação proporciona um grande prazer de leitura[48].

Considerações finais

Num comentário de Steiner, encontro o mote para as considerações finais. Diz ela: a poesia de Adélia Prado “inscreve-se assim na vertente de uma literatura brasileira do cotidiano, que tem em Manuel Bandeira um de seus maiores expoentes. Brasil, Minas, Divinópolis, onde a vida se fez e se faz, onde a fé cresceu e se transformou. Divina, Divinópolis, cidade divina, Roma mineira, mas habitada por uma loba”[49].
Adélia Prado, com sua obra, nos ajuda a mergulhar no nosso jeito de ser, ao convidar-nos a pensar tanto na horizontalidade da ambiência na qual gostamos de viver, como na verticalidade em que o eterno surge no efêmero. Manuel Bandeira, em Profundamente, realizou com maestria esse mergulho.
Profundamente
(Manuel Bandeira)
Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?
- Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente
***
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
-Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.[50]
***
Anexo
De Animais, santo e gente[*]
Carlos Drummond de Andrade.
(...)
Esse São Francisco não pára de cativar a gente. Há santos que ficam quietos na bem-aventurança, não descem do altar, só esperam devoção e respeito. O Francisco não. Acompanha a gente na cidade, (...) ensina cada um a fazer coisas belas e a amar, com sabedoria. Acho que ele está no momento ditando em Divinópolis os mais belos poemas e prosas a Adélia Prado. Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: está à lei, não dos homens, mas de Deus:
Uma ocasião meu pintou a casa
toda de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa
como ele mesmo dizia
constantemente amanhecendo.
Nascida à beira-da-linha, o trem de ferro para ela, “atravessa noite, a madrugada, o dia, atravessou minha vida virou só sentimento”. E diz entre outras coisas: "Eu gosto é de trem de ferro e de liberdade”, “Eu peço a Deus alegria para beber vinho ou café, eu peço a Deus paciência pra por meu vestido novo e ficar na porta da livraria, oferecendo meu livro de versos, que para uns é flor de trigo, pra outros nem comida.”
Em política, Adélia diz que “já perdeu a inocência para os partidos”, “Sou do partido do homem”. E sai no meio do discurso. Quer comer “bolo de noiva, puro açúcar, puro amor carnal, disfarçado de corações e sininhos: um branco, outro cor-de-rosa, um branco, outro cor-de-rosa”
Adélia vai às compras? “A crucificação de Jesus está nos supermercados para quem queira ver. Quem não presta atenção está perdendo. Tem gente que compra imoral demais com um olho muito guloso, se sungando até a ponta dos pés, atochando o dedo nas coisas, pedindo abatimento, só de vício, com a carteira estufada de dinheiro, enquanto uns amarelos, desses cujo único passeio é varejar armazéns, ficam olhando e engolindo em seco, comprando meios quilinhos das coisas mais ordinárias”.
Adélia já viu a Poesia, ou Deus, flertando com ela, “na banca de cereais e até na gravata não flamejante do Ministro”. Adélia é fogo: fogo de Deus em Divinópolis. Como que eu posso demonstrar Adélia se ela ainda está inédita: aquilo de vender livro à porta da livraria é pura imaginação e só uns poucos do país literário sabem da existência desta grande poeta-mulher á beira da linha?

Leituras Obrigatórias 2020

Para o Concurso Vestibular de 2020, será exigida a leitura prévia e completa das seguintes obras:

1 - ADÉLIA PRADO

Bagagem

2 - GRACILIANO RAMOS

São Bernardo

3 - LYGIA FAGUNDES TELLES

As Meninas

4 - MARCELO RUBENS PAIVA

Feliz Ano Velho

5 - FLORBELA ESPANCA

Poemas: 1. Fanatismo; 2. Horas rubras; 3. Eu; 4. Vaidade; 5. Lágrimas ocultas; 6. A minha dor; 7. Suavidade; 8. Se tu viesses ver-me; 9. Ser poeta; 10. Fumo; 11. Frêmito do meu corpo; 12. Realidade; 13. Súplica; 14. Doce certeza; 15. Quem sabe?!...; 16. A Mulher I; 17. A Mulher II; 18. Amiga; 19. Ódio; 20. Amar!; 21. O maior bem; 22. Neurastenia.
Atenção: O item 13 (Soneto Súplica) está disponível neste link.

6 - MACHADO DE ASSIS

Papeis avulsos

7 - MARIA FIRMINA DOS REIS

Úrsula

8 - WILLIAM SHAKESPEARE

Hamlet

9 - VALTER HUGO MÃE

A máquina de fazer espanhóis

10 - CAROLINA MARIA DE JESUS

Quarto de despejo: diário de uma favelada

11 - ELIS & TOM

Álbum/Disco de 1974

12 - MICHEL LAUB

Diário da queda

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Literatura no cinema - A Erva do Rato

“A Erva do Rato” (Brasil, 2008) / 80 min. 35 mm Direção: Julio Bressane Roteiro: Julio Bressane e Rosa Dias SINOPSE Ele e Ela caminham por um cemitério à beira-mar. Ela, professora, com o pai morto há apenas três dias, não tem mais ninguém no mundo. Ele se propõe a cuidar dela enquanto for vivo. Este é o início de uma estranha relação. - Baseado nos contos A Causa Secreta e Um Esqueleto, de Machado de Assis http://www.literaturanocinema.com.br/2011/?cat=38

Murilo Mendes I - Vida e obras

Murilo mendes
View more presentations from mbl2012

Murilo Mendes II - Vida e obras

Vida e obra de Murilo Mendes
View more PowerPoint from escolaabtdai

No mar - poesia de Álvares de Azevedo/ Romantismo

José de Alencar

Alunos: Marion, Romário, Santiago Turma 203 / 2010

Refletir...

O segredo é não correr atrás das borboletas... É cuidar do jardim para que elas venham até você.

Mário Quintana

Educar é ...

Cartaz para uma feira do livro...

"Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem." Mário Quintana

Café Literário - Turma 31 e 32

Apresentação de um painel sobre Vida e obras de escritores do Romantismo.
Apresentação de obras originais de cada escritor.
Apresentação de caricatura do referido escritor.
Apresentação de um prato típico da região de origem do escritor, ou seu prato preferido.
Cada grupo deverá servir uma degustação para a turma, acompanhado de um café.
Apresentação de curiosidades da época.
Os escitores serão sorteados- dois por grupo - este grupo será formado de três componentes.
Cada componente do grupo deverá explicar seu painel, distribuindo as tarefas em partes iguais.

Apresentação dos Autos de Gil Vicente - Turma 22

O Auto da Feira
O velho da Horta
O Auto da Barca do Inferno
O Auto da Compadecida
Farsa de Inês Pereira
Auto da ìndia
Auto da alma
Auto da Lusitânia

Apresentação dos Autos de Gil Vicente - Turma 21

Auto da Barca do Inferno
Auto de Visitação
Auto da Feira
O velho da Horta
Auto da Compadecida
Auto da Alma

Ver Gil Vicente.

Jogos Literários

Participação da Escola Estadual de Ensino Médio 9 de maio no programa da TV Educativa e da FM Cultura, realizado no período de 13 de maio a 5 de agosto de 2006. Em homenagem ao poeta gaúcho Mário Quintana que, em 2006, completaria 100 anos.